A importância de sermos vistos como pessoas
Recentemente, o filme Roofman (2025) — Um Ladrão no Telhado, em Portugal — de Derek Cianfrance, trouxe uma abordagem interessante e natural à representatividade de pessoas com diferença física no cinema, neste caso, uma displasia óssea. No elenco do filme (que conta com Channing Tatum e Kirsten Dunst) está Peter Dinklage, ator de renome mundial que tem acondroplasia, a forma mais comum de displasia óssea. Neste filme baseado num caso real, Dinklage interpreta Mitch, o gerente de uma loja Toys "R" Us, personagem secundária, mas com peso no enredo. Crucialmente, a narrativa não faz alarde da sua condição física: ele não é definido pela sua altura nem pela sua doença. É simplesmente uma pessoa, um chefe irritadiço, humano em todas as suas falhas e tensões.
Crédito da imagem: Fotografia de cena do filme Roofman (2025), cedida por Paramount Pictures / Miramax.
Isto não é novidade, existem outras obras que seguem este caminho de representar personagens com diferenças físicas de forma natural. No entanto, por se tratar de um filme mais mainstream, realizado e interpretado por figuras que estão "na moda" e com visibilidade mediática, Roofman tem potencial para chegar a muito mais público e, assim, amplificar esta forma de olhar para a diversidade humana. Este tipo de representação é poderosa, porque normaliza a presença de pessoas com diferenças físicas sem as reduzir à sua condição de saúde ou à sua aparência. Permite ver a humanidade antes da "diferença".
Mitch não é exatamente um exemplo de simpatia. É rabugento, por vezes desagradável, e chega até a gozar com o peso de outra personagem. Aqui surge um ponto curioso: uma pessoa fisicamente distinta da norma a fazer piadas sobre a aparência de outra. Ao criar esta contradição, acaba-se por humanizar a personagem interpretada por Dinklage, demonstrando uma representação madura que reconhece que todas as pessoas, independentemente do corpo que têm, podem reproduzir hábitos sociais menos bons. No fundo, até as personagens "diferentes" têm o direito de serem imperfeitas, com defeitos e com bons e maus momentos.
E o que torna isto importante?
Quebra estereótipos
Muitas vezes, quando vemos atores com displasias ósseas / baixa estatura na cultura popular, são papéis que reforçam clichés: personagens cómicos, mágicos, caricaturais, ou que existem "para serem especiais por serem diferentes". Quando uma pessoa como Peter Dinklage entra num filme para fazer um papel humano, "normal", essa diferença deixa de ser o foco e torna-se, assim, menos "estranha" para o público. A diferença é diluída.
Visibilidade realista
Representar pessoas com displasias ósseas em papéis quotidianos, ou até vulgares, ajuda a mostrar a diversidade real do mundo, abrindo espaço para empatia e para o reconhecimento de desafios sociais, práticos e emocionais que estas pessoas enfrentam.
Inspirar e empoderar
Para quem vive com uma displasia óssea / baixa estatura, ver uma pessoa com uma condição igual ou semelhante num filme e que não está ali apenas para "falar da sua doença" pode significar muito. É um lembrete de que há lugar para todos nas narrativas maiores, na cultura popular e não apenas como vítimas ou casos especiais, mas como cidadãos plenos, com ambições, frustrações, alegrias e defeitos.
Reflexão social
Através de personagens "normais", podemos refletir sobre como a sociedade (infraestruturas, acessibilidade, discriminação invisível) responde às necessidades das pessoas com displasia óssea. A representação cultural pode servir como ponto de partida para conversas mais profundas sobre inclusão.
Apesar destes pequenos avanços, ainda há um caminho a percorrer. As pessoas com displasia óssea continuam sub-representadas em papéis não estereotipados e muitas narrativas ainda insistem em transformar a diferença física no centro da narrativa, o que não é necessariamente mau, mas escapa ao ponto essencial que aqui tratamos, o da "normalidade".
Além disso, em muitas produções de cinema e TV falta informação e consultoria, são necessárias pessoas com experiência direta em questões relacionadas com displasias ósseas, para evitar representações estereotipadas ou imprecisas.
Crédito da imagem: Fotografia de cena do filme Roofman (2025), cedida por Paramount Pictures / Miramax.
Para a ANDO, um tema central
A ANDO, como associação nacional que representa pessoas com displasia óssea, tem um papel importante não apenas a apoiar pessoas com condições ósseas raras e as suas famílias, mas também em promover a sua visibilidade e representatividade. Neste sentido, estamos a trabalhar numa curta-metragem que aborda questões relacionadas com aparência física.
Achámos que deveríamos escrever este artigo porque talvez possa ajudar a sensibilizar o público para a importância da representação normalizada. Ou poderá inspirar criadores (cineastas, escritores) a incluir mais diversidade e a dar voz às pessoas que vivem diariamente desafios de visibilidade e inclusão.
Ver Peter Dinklage em Roofman como alguém "apenas humano", sem que o filme faça dele um símbolo, é um passo importante e foca o tipo de visibilidade que pode abrir caminho para mais papéis e mais histórias onde pessoas com displasia óssea não são "a diferença", mas parte da tapeçaria humana. Imaginemos um mundo onde, nas novelas, séries, anúncios, filmes e peças de teatro, existem pessoas de todas as estaturas, com todas as histórias, sem que isso seja sempre "a história". Um mundo em que a diferença física não é usada apenas para chocar, sensibilizar ou comiserar, mas para enriquecer.
Para a ANDO, cada momento em que estas representações ganham espaço na cultura mainstream é valioso e reforça um olhar otimista para o futuro. Porque a representatividade não existe só para entreter, ela transforma vidas.
Um Ladrão no Telhado está em exibição no cinema, exclusivamente nas Salas UCI do El Corte Inglés (Lisboa) e Arrábida 20 (Vila Nova de Gaia). Veja o trailer: