Hipoplasia Cartilagem Cabelo

A Hipoplasia Cartilagem Cabelo (HCC) é uma displasia óssea caracterizada por baixa estatura, cabelo fino e em pouca abundância, variados graus de imunodeficiência, anemia e problemas gastrointestinais. 

Eacute; também conhecida por síndrome de McKusick ou condroplasia metafisiária tipo McKusick, pois foi primeiro identificada pelo médico geneticista americano Victor Almon McKusick, pioneiro no mapeamento do genoma humano e na genética médica.

O que é a HCC1,2?

Trata-se de uma doença hereditária rara que tem a sua maior prevalência nas populações Finlandesa (aproximadamente 1 em cada 23 000 nascimentos1) e nos Old Order Amish2 . As comunidades Amish consistem em grupos fundados por um pequeno número de casais com ascendência partilhada, que permanecem isoladas do resto da sociedade e são propensas a padrões recessivos de hereditariedade.

Fig. 1. McKusick documentou tudo com a sua máquina fotográfica. Créditos: Aquivo Johns Hopkins

 

Um pouco de história

Um artigo publicado na década de 50 que identificou altas taxas de acondroplasia, nas comunidades Amish da Pensilvânia despertou a curiosidade de McKusick. A acondroplasia é uma doença autossómica dominante, portanto, pouco provável de ser mais prevalecente nos Amish do que no público em geral. McKusick dedicou-se, então, a estudar famílias com alterações hereditárias nestas comunidades e descobriu dois tipos diferentes de condições raras recessivas: a HCC, que faz com que os indivíduos tenham cabelo fino e esparso, e a síndrome de Ellis-van Creveld (as pessoas afetadas apresentam 6 dedos, como na foto). Depois destas descobertas, McKusick passou décadas a estudar a genética dos Amish, investigando registos genealógicos e hospitalares, visitando famílias para examinar fenótipos, documentar sintomas e recolher amostras.

O trabalho de McKusick levou a uma maior compreensão das características e dos factores de risco associados a muitas doenças hereditárias e contribuiu para o seu livro Mendelian Inheritance in Man (MIM), um catálogo abrangente de genes humanos e doenças hereditárias. Hoje, este catálogo persiste como uma base de dados online, OMIM, e contém informação sobre mais de 15.000 genes.

O que causa a HCC1,3?

A HCC é causada por mutações no gene RMRP. Cada um dos progenitores de um bebé com HCC tem uma cópia do gene mutado, contudo não apresentam sinais ou sintomas. Isto acontece porque a HCC é uma condição autossómica recessiva, o que significa que a pessoa com HCC recebeu duas cópias do gene com a mutação, uma de cada progenitor. Uma pessoa com apenas uma cópia desta mutação não será afetada, mas transportará o gene com mutação.

A HCC é uma doença rara, a probabilidade de encontrar outra pessoa com a mutação no gene RMRP é extremamente baixa. Esta probabilidade aumentará se duas pessoas partilharem laços consanguíneos. O diagnóstico e aconselhamento genético são importantes se esta última situação se verificar.

hereditariedade

Fig. 2. Hereditariedade autossómica recessiva.

Características Clínicas e Radiológicas4,5,6,7
  • Baixa estatura

  • Ossos longos (braços e pernas) crescem mais devagar

  • Malformações nas metáfises

  • Genu varum

  • Hipermobilidade articulatória: ligamentos das mãos, pulsos e pés muito flexíveis

  • Limitação na articulação do cotovelo

  • Lordose e escoliose

  • Cabelo, pestanas e sobrancelhas em pouca ambundância (hipotricose), finos e claros

  • Sistema imunitário comprometido, de forma variável: pessoas com problemas mais graves (SCID) são muito susceptíveis a infecções persistentes e recorrentes. A varicela pode causar graves infecções nas pessoas com HCC. As crianças devem ser avaliadas por um imunologista antes das vacinas habituais, nomeadamente a da varicela.

  • Problemas gastrointestinais: absorção deficitária de nutrientes ou intolerância ao glúten; doença de Hirschsprung, uma doença gastrointestinal que provoca obstipação intestinal e inchaço do cólon

  • Maior risco de desenvolver cancro, particularmente carcinomas (cancro da pele), leucemia (medula óssea) e linfomas7.

 

Fig.3. Radiografia das extremidades inferiores de criança com 2 (A) e 4 (B) anos de idade mostram alterações metafisárias típicas e lucências císticas irregulares de margens escleróticas e aparência fragmentada.


Fig.4. Radiografia das mãos aos 4 anos demonstra típico encurtamento dos metacarpos e alterações metafisárias (distal radial e ulnar).


Fig.5. Vistas posterior e lateral da coluna vertebral aos 13 anos, mostram escoliose toracolombar multisegmentária com levoscoliose torácica superior, dextroscoliose torácica inferior e levoscoliose lombar. Fonte: Lymphosign.com

Diagnóstico2,3

O diagnóstico é realizado através de avaliação clínica, com base na história clínica detalhada, na identificação de características radiológicas e análises genéticas. Para além das mutações no gene RMRP é possível que o diagnóstico de HCC possa ser sinalizado pelas epífises em forma de cone nas falanges das mãos.

As crianças diagnosticadas com HCC devem ainda receber uma avaliação imunológica completa para determinar a presença de imunodeficiência. É possível fazer o diagnóstico in utero través de amniocentese e da Colheita de Vilosidades Coriónicas (CVS), métodos utilizados no caso de haver maior suspeita, por exemplo se houver outro irmão com a mesma condição.

A HCC também pode ser diagnosticada antes do nascimento através de um exame ecográfico: os bebés com HCC têm um encurtamento e abaulamento do fémur, o que pode ser observável, por vezes, na ecografia.

Tratamento2

Não há ainda qualquer terapêutica que cure, previna ou reverta a HCC. Os objetivos do tratamento passam por apoiar o desenvolvimento físico e social, prevenir e tratar quaisquer complicações de saúde que surjam.

O alongamento ósseo é uma possibilidade e pode significar uma maior capacidade para a pessoa funcionar no dia-a-dia com mais autonomia. A elegibilidade para este tipo de tratamento depende de vários factores, entre eles o tipo de displasia óssea, idade, altura e os problemas funcionais daí resultantes.

Os benefícios e adversidades do alongamento ósseo devem ser informados à criança e aos pais. O risco de complicações, a dor associada, a duração do processo, a motivação da criança para o fazer e outros fatores devem ser abertamente discutidos.

É fundamental que a pessoa com HCC seja acompanhada por uma equipa médica multidisciplinar, que recomendará a frequência com que devem ser feitas as análises para avaliar a função imunitária. Contudo, é sempre importante consultar um médico caso haja febre que dure mais do que uma semana, perda de peso sem explicação aparente ou nódulos linfáticos.

Investigação

As tentativas para gerar um modelo animal da condição (para que possam ser testadas diferentes terapêuticas) ainda não tiveram sucesso. Prevê-se que a investigação em HCC necessite de anos para descobrir o seu mecanismo patogénico e, eventualmente, um tratamento, tal como aconteceu com a acondroplasia – uma displasia óssea muito mais frequente do que HCC e para a qual passaram mais de 20 anos entre a identificação do gene responsável pela doença e a descoberta de soluções terapêuticas eficazes.

O Desafio Social

Para as crianças com características físicas visivelmente diferentes é possível que a entrada na escola e a vida social se tornem desafios e representem dificuldades de adaptação. Será importante para os pais sentirem confiança e abertura para debater estas questões com a equipa médica, a equipa escolar e, se necessário, procurar aconselhamento junto de um profissional de Psicologia, caso sejam identificadas dificuldades de adaptação.

Este é dos aspectos mais importantes: os pais, a criança e a escola são uma equipa; todos têm um projecto em comum: prestar o melhor acompanhamento clínico, apoiar social e emocionalmente a criança ao longo do seu desenvolvimento e promover a autonomia e a resiliência, bem como da sua família.

 

Na primeira pessoa

Conheça a história pessoal e experiência com HCC da Lia Silva aqui.

Bibliografia
  • 1. Mäkitie O. Cartilage-hair hypoplasia in Finland: epidemiological and genetic aspects of 107 patients. J Med Genet. 1992 Sep;29(9):652-5.
  • 2. Ridanpää M, Jain P, McKusick VA, Francomano CA, Kaitila I. The major mutation in the RMRP gene causing CHH among the Amish is the same as that found in most Finnish cases. Am J Med Genet C Sem Med Genet. 2003 Aug 15;121C(1):81-3
  • 3. Bonafé, L., et al. (2002). RMRP gene sequence analysis confirms a cartilage-hair hypoplasia variant with only skeletal manifestations and reveals a high density of single-nucleotide polymorphisms. Clinical Genetics, 2(61), 146-51
  • 4. Riley P Jr, et al. Cartilage hair hypoplasia: characteristics and orthopaedic manifestations. J Child Orthop. 2015 Apr;9(2):145-52. doi: 10.1007/s11832-015-0646-z. Epub 2015 Mar 13. PMID: 25764362; PMCID: PMC4417732
  • 5. Mäkitie O, Kaitila I. Cartilage-hair hypoplasia--clinical manifestations in 108 Finnish patients. Eur J Pediatr. 1993 Mar;152(3):211-7. doi: 10.1007/BF01956147. PMID: 8444246
  • 6. Ashby GH, Evans DI. Cartilage hair hypoplasia with thrombocytopenic purpura, autoimmune haemolytic anaemia and cell-mediated immunodeficiency. J R Soc Med. 1986 Feb;79(2):113-4. doi: 10.1177/014107688607900216. PMID: 3950893; PMCID: PMC1290197
  • 7. Mäkitie O, Pukkala E, Teppo L, Kaitila I. Increased incidence of cancer in patients with cartilage-hair hypoplasia. J Pediatr. 1999 Mar;134(3):315-8. doi: 10.1016/s0022-3476(99)70456-7. PMID: 10064668

 

Saiba mais sobre:

PARTILHAR: