Picnodisostose

A picnodisostose ou síndrome de Toulouse-Lautrec é uma condição genética muito rara que se estima que afete cerca de 1 em 1,7 milhões de pessoas em todo o mundo. Foi pela primeira vez descrita em 1962 e apenas 200 casos estão descritos na literatura científica até agora.

Julga-se que o famoso artista francês do século XIX, Henri de Toulouse-Lautrec, tinha esta condição.

O que é a Picnodisostose?

A picnodisostose, do grego: puknos (denso), dis ("defeituoso") e ostose ("estado do osso"), é uma displasia óssea lisossómica autossómica recessiva e está presente desde o nascimento. Provoca ossos bastante densos (osteosclerose) e quebradiços, baixa estatura, problemas dentários e alterações na face, mãos e outras partes do corpo.

hereditariedade
Hereditariedade

A picnodisostose é considerada uma condição autossómica recessiva, isto é, ocorre quando o filho herda uma cópia do gene alterado de ambos os pais. Os pais de uma criança com uma condição autossómica recessiva geralmente não têm a condição.

Viver com esta condição obriga a fazer uma série de ajustes no estilo de vida. Crianças e adultos com esta condição não devem praticar desportos de contacto. A natação ou o ciclismo podem ser melhores alternativas, devido ao menor risco de fratura.

O que causa a Picnodisostose?

A picnodisostose é causada por uma mutação do gene que codifica a enzima catepsina K (CTSK) no cromossoma 1q21. Esta enzima desempenha um papel fundamental na remodelação óssea. Em particular, decompõe o colagénio de tipo I e II que são proteínas que atuam na fixação do cálcio e fdo osfato nos ossos.

Esta mutação no gene CTSK leva à acumulação de colagénio e, consequentemente, à formação de ossos muito densos, mas frágeis.

Características Clínicas/Radiográficas

Os sintomas podem ser diferentes de pessoa para pessoa e podem afetar diferentes partes do corpo. Algumas pessoas podem ter mais sintomas do que outras e podem variar de leves a graves. 

As seguintes características podem ocorrer:

  • Braquidactilia
    Dedos curtos.
    Frequência: muito frequente

  • Diminuição do fator de crescimento IGF-1
    Redução desta hormona na circulação sanguínea.
    Frequência: muito frequente

  • Atraso na pneumatização do processo mastóide
    Grau reduzido de formação de células no osso temporal.
    Frequência: muito frequente

  • Estatura desproporcional e membros curtos
    Membros curtos, mas de tamanho médio.
    Frequência: muito frequente

  • Saliência frontal
    Proeminência bilateral do osso frontal.
    Frequência: muito frequente

  • Osteosclerose
    Aumento da densidade óssea.
    Frequência: muito frequente

  • Alterações osteolíticas das falanges distais da mão
    Alteração do osso exterior dos dedos da mão.
    Frequência: muito frequente

  • Fontanela anterior persistente
    A fontanela anterior ossifica geralmente por volta dos 18 meses.
    Frequência: muito frequente

  • Alterações na dentição
    Problemas dentários.
    Frequência: frequente

  • Alterações nas unhas
    Por vezes ocorre também onicodisplasia
    Frequência: frequente

  • Esclera azul
    Coloração azulada dos olhos
    Frequência: frequente

  • Dor crónica
    Dor persistente que dura mais de 3 a 6 meses.
    Frequência: frequente

  • Ponte nasal convexa
    Excesso de tecido sobre a ponte do nariz, antes da ponta nasal.
    Frequência: frequente

  • Resposta à hormona de crescimento diminuída
    Carência de somatotropina.
    Frequência: frequente

  • Hipoplasia da maxila e micrognatia
    Dimensão pequena da maxila com desalinhamento entre os dentes superiores e inferiores.
    Frequência: frequente

  • Hipoplasia da face média
    Encurtamento vertical das regiões infraorbital e perialar, aumento da concavidade da face e/ou redução do ângulo nasolabial.
    Frequência: frequente

  • Aumento da susceptibilidade a fraturas
    Ossos frágeis com tendência para fraturas.
    Frequência: frequente

  • Atraso do crescimento intrauterino
    Restrição do crescimento fetal com peso inferior ao décimo percentil para a idade gestacional.
    Frequência: frequente

  • Deficiência auditiva condutiva ligeira
    Perda de audição condutiva.
    Frequência: frequente

  • Apneia obstrutiva do sono
    Obstrução das vias respiratórias e pausas na respiração durante o sono.
    Frequência: frequente

  • Nariz proeminente
    Distância subnasal e pronasal com dois desvios padrão acima da média.
    Frequência: frequente

  • Propostose
    O olho pode gradual ou subitamente ficar mais saliente, projetando-se para a frente.
    Frequência: frequente

  • Morfologia anómala da clavícula
    Alterações dos ossos do colarinho.
    Frequência: ocasional

  • Acromelia
    Encurtamento das extremidades nas partes distais dos membros (mãos e pés) em relação aos outros segmentos dos membros.
    Frequência: ocasional

  • Outros problemas dentários
    Hipoplasia do esmalte, hipodontia (ausência de até 5 dentes), cáries, dentição primária e permanente tardias e má oclusão.
    Frequência: ocasional

  • Palato alto
    Altura palatina acentuada.
    Frequência: ocasional

  • Ílio hipoplásico
    Subdesenvolvimento da parte superior do osso coxal.
    Frequência: ocasional

  • Laringomalácia
    Cartilagem disforme e prolapsa sobre a laringe durante a inspiração.
    Frequência: ocasional

  • Assimetria dos membros inferiores
    Diferença no comprimento ou diâmetro entre perna esquerda e direita.
    Frequência: ocasional

  • Atraso de desenvolvimento global ligeiro
    Ligeiro atraso nos marcos motores ou mentais.
    Frequência: Ocasional

  • Mesomelia
    Parte média dos membros inferiores curta.
    Frequência: ocasional

  • Rizomelia
    Desproporção do comprimento da parte proximal dos membros (fémur e úmero).
    Frequência: ocasional

  • Excesso de peso
    Aumento do peso corporal com um índice de massa corporal de 25-29,9 kg por m2.
    Frequência: Ocasional

  • Escoliose
    Presença de uma curvatura lateral excessiva na coluna vertebral.
    Frequência: Ocasional

  • Espondilolistese
    Uma das vértebras desliza da sua posição normal deslocando-se sobre a vértebra que se encontra imediatamente abaixo.
    Frequência: Ocasional

  • Estridor
    Som agudo resultante de um fluxo de ar turbulento na via aérea superior.
    Frequência: Ocasional

  • Ossos vormianos
    Presença de ossos extra dentro da sutura craniana.
    Frequência: Ocasional

Podem ainda ocorrer, a título muito raro:

Problemas da refracção na retina; problemas neurológicos; dismielinização cerebral; craniosinostose coronal; hepatoesplenomegalia; hiperlordose; aumento da pressão intracraniana; estrabismo; disfunção do trato piramidal.

metatropica
Fig. 1: Radiografias de vários casos de picnodisostose
  • A) Mãos e rosto clássicos em picnodisostose com dedos curtos, nariz proeminente e aquilino, e alterações dentárias.

  • B) Aspeto radiológico das mãose pés. Note-se a acroosteólise bastante simétrica.

  • C) Aspeto radiológico do crânio. Ossos vormianos presentes.

  • D) Aspeto radiológico dos membros inferiores. Note-se a leve incursão, o aspeto volumoso e a mineralização densa.

  • E) Aspeto do tórax e da coluna vertebral. A última radiografia mostra ainda um membro superior com uma incursão moderada e aspeto volumoso.

Fonte: Bizaoui, V, et al. Pycnodysostosis: Natural history and management guidelines from 27 French cases and a literature review. Clin Genet. 2019; 96: 309– 316. https://doi.org/10.1111/cge.13591.

metatropica
Fig. 2: Achados clínicos e radiológicos da picnodisostose
  • a, b) Aparência facial típica da picnodisostose com hipoplasia média da face, orelhas baixas, e nariz proeminente.

  • c, d) Radriografias cranianas mostram aumento da densidade óssea, suturas abertas e ângulo mandibular obtuso com má oclusão.

  • e) Mãos com braquidactilia.

  • f) Radiografias das mãos apresentam aumento da densidade óssea, braquidactilia e acroosteólise das falanges distais.

Fonte: Araujo, Thaís & Ribeiro, et al. (2016). Molecular analysis of the CTSK gene in a cohort of 33 Brazilian families with pycnodysostosis from a cluster in a Brazilian Northeast region. European Journal of Medical Research. 21. 33. 10.1186/s40001-016-0228-7.

Diagnóstico

Um diagnóstico de picnodisostose baseia-se na identificação dos sintomas característicos e numa história detalhada da pessoa e da sua família. Havendo suspeita, deve ser realizada uma avaliação clínica exaustiva e estudos de raios-X. Os estudos de raios X podem mostrar muitas das alterações ósseas características associadas a esta doença.

Testes Genéticos

Os testes genéticos moleculares podem confirmar um diagnóstico de picnodisostose, detetando mutações no gene CTSK que causa a doença, mas só estão disponíveis como serviço de diagnóstico em laboratórios especializados.

Diagnóstico Pré-Natal

O diagnóstico pré-natal é possível através de testes genéticos e avaliação pré-natal, com uma tomografia computorizada em 3D ou uma ultrassonografia (ecografia), e deve ser recomendado quando é conhecida uma mutação na família.

O diagnóstico pré-natal pode ser realizado por demonstração da(s) mutação(ões) específica(s) da catepsina K em vilosidades coriónicas ou células amnióticas cultivadas, ou por análise de ligação para casais conhecidos por serem portadores da mutação da catepsina K.

ultrassom
Ultrassonografia

A ultrassonografia é a principal forma de diagnóstico através de imagens quando há suspeita de displasia óssea pré-natal.

Diagnóstico diferencial:

É fundamental distinguir a picnodisostose de outras condições de esclerose primária do osso caracterizadas pela osteopetrose, uma vez que o transplante precoce de células estaminais hematopoiéticas pode ser uma opção terapêutica em algumas formas de osteopetrose, ao passo que não seria benéfica em pessoas com picnodisostose.

Tratamento

O tratamento da picnodisostose é direcionado para os sintomas específicos de cada pessoa e pode exigir os cuidados coordenados de uma vasta equipa de especialistas, onde se incluem pediatras, ortopedistas, cirurgiões, fisioterapeutas, endocrinologistas, oftalmologistas, dentistas e outros profissionais de saúde.

Não existem protocolos ou diretrizes de tratamento padronizados devido à raridade da doença. Não existem ensaios de tratamento que tenham sido testados num grande grupo de pessoas. Vários tratamentos aparecem na literatura médica como parte de relatos de casos individuais.

Alguns exemplos de tratamentos:

  • Pessoas com picnodisostose necessitarão de cuidados ortopédicos quando ocorrerem fraturas. Não existem directrizes sobre o melhor método ou intervenção cirúrgica para o tratamento de fraturas.

  • Devem ser prestados cuidados dentários especializados e a cirurgia craniofacial pode ser justificada.

  • A picnodisostose pode complicar o uso da anestesia em algumas pessoas devido a alterações que afetam o maxilar e o céu da boca (palato). Devem ser feita uma análise prévia a qualquer procedimento que exija anestesia.

Aconselhamento Genético

O aconselhamento genético será benéfico para as pessoas com picnodisostose e para as suas famílias. Fornece informações sobre a natureza, hereditariedade e implicações das condições genéticas, ajudando a tomar decisões médicas e pessoais informadas, essenciais, por exemplo, para o planeamento familiar, onde se deve esclarecer sobre o risco genético e a possibilidade de testes pré-natais.

É apropriado oferecer aconselhamento genético (incluindo a discussão de potenciais riscos para os descendentes e opções reprodutivas) aos jovens adultos que são afetados.

Bibliografia
  1. Bizaoui, V, et al. Pycnodysostosis: Natural history and management guidelines from 27 French cases and a literature review. Clin Genet. 2019; 96: 309– 316. https://doi.org/10.1111/cge.13591
  2. Araujo, Thaís & Ribeiro, et al. (2016). Molecular analysis of the CTSK gene in a cohort of 33 Brazilian families with pycnodysostosis from a cluster in a Brazilian Northeast region. European Journal of Medical Research. 21. 33. 10.1186/s40001-016-0228-7
  3. rarediseases.info.nih.gov
  4. www.ncbi.nlm.nih.gov
  5. rarediseases.org

 

PARTILHAR: