A acondroplasia é a condrodisplasia mais frequente entre as displasias ósseas e estima-se que a sua incidência seja de cerca de 1/25 000 nascimentos em todo o mundo1. Embora esta condição seja autossómica dominante, o que significa que, se apenas um dos pais tiver acondroplasia, a probabilidade de a passar à descendência é de 50%, 80% dos casos surgem em filhos em que ambos os pais têm estatura média. Neste casos, a acondroplasia tem origem numa nova mutação, também conhecida como mutação de novo. As pessoas com acondroplasia são heterozigóticos pois têm um gene com mutação que recebe de um dos progenitores e outro sem mutação que recebe do outro progenitor. A acondroplasia homozigótica é letal, por isso é recomendado aconselhamento genético. Uma das características mais evidentes da acondroplasia, como na maioria das displasias ósseas, é a baixa estatura, sendo que no caso da acondroplasia, existe desporporcionalidade entre membros e tronco.
Os homens adultos podem ter em média, uma altura final de 131±5.6 cm e as mulheres a 124±5.9 cm. Ocorre uma redução apenas ligeira na esperança média de vida em comparação com a população geral, possivelmente devido a doenças cardiovasculares2.
A acondroplasia é causada por mutações no gene que codifica o Recetor 3 do fator de crescimento dos fibroblastos (FGFR3, do inglês Fibroblast Growth Factor Receptor 3), um recetor transmembranar importante para o crescimento linear dos óssos, entre as suas outras funções3,4.
Rizomelia
Lordose lombar
Braquidactilía
Macrocefalia e testa protuberante
Genu varus
Hipoplasia do terço médio da face
Hipertrofia das adenóides e amígdalas
Apneia do sono obstrutiva
Articulações hiperextensíveis
Otites médias
Problemas dentários
Compressão da medula espinal ao nível do foramen magnum
Irregularidades das metáfises
Estreitamento da distância interpedicular das vértebras lombares inferiores
Pélvis alterada com asas ilíacas quadradas e um canal sacrociático estreito.
Fig1. Rizomelia, desproporção do comprimento da parte proximal dos membros. Imagem Orphanet
Fig.2 Lordose lombar acentuada - Curvatura excessiva da zona lombar das costas. Fonte: knowhowmd.com
Fig. 3. Radiografia demonstrativa de braquidactilía. Dedos curtos e mãos largas em forma de tridente. Fonte: Rixir.co.pk
Fig. 4. Radiografia demostrativa de macrocefalia e testa protuberante. Fonte: Gamuts.isradiology.org
Hipoplasia do terço médio da face - Maxilar superior, maçãs do rosto e órbitas não cresceram tanto como o resto do rosto.
Esta condição, juntamente com a hipertrofia das adenóides e amígdalas, pode levar ao desenvolvimento de apneia de sono obstrutiva5. Uma redução considerável ou completa e repetitiva do fluxo de ar, durante o sono devido a uma obstrução. Neste caso, as próprias vias aéreas, o adenóide e as amígdalas causam a obstrução.
A hipoplasia do terço médio da face pode ter algum impacto no desenvolvimento da fala observado em 20% das crianças com acondroplasia6. Pode ser recomendada terapia da fala, se houver atraso comparativamente ao desenvolvimento de outras crianças com acondroplasia, assim como para facilitar a apredizagem de movimentos respiratórios e de deglutição.
Fig. 5. A: perfil comum (28 semanas) B: perfil (30 semanas) com hipoplasia do terço médio da face em feto com acondroplasia. Fonte: Ramos et al., 2008.
Cifose Toracolombar - Aumento anormal da convexidade posterior da coluna vertebral. É muito comum em crianças com acondroplasia e, normalmente, nota-se durante a infância. Deve-se a fatores mecânicos, especificamente à hipotonia muscular generalizada que, juntamente com os membros curtos, pescoço curto e cabeça grande, causam atrasos no desenvolvimento da motricidade grossa (movimentos mais sustentação e locomoção).
Fig. 6. Cifose toracolombar identificada com o círculo. Fonte: Beyond Achondroplasia
Genu varus - Deformidade física marcada pela curvatura para fora da parte inferior das pernas em relação às coxas. Ocorre com frequência na infância e pode ser corrigida pelo re-alinhamento cirúrgico da curvatura.
Fig. 7. Esquerda, fémur com rotação externa, tíbias com rotação interna; direita: apresentação após correção cirúrgica. Fonte: Studyblue.com
Muitas outras complicações surgem desde a infância até à idade adulta:
A maioria das articulações são hiperextensíveis.
As otites médias são comuns. Está presente em 25% das crianças com acondroplasia e é causada pelas proporções pequenas do crânio (Tubos de Eustáquio curtos, mesmo atrás do tímpano, faringe pequena e adenoide e amígdalas grandes). Podem levar a problemas auditivos, nomeadamente a perda de audição condutiva (problemas no ouvido médio ou no tímpano), que está presente em cerca de 40% dos adultos com acondroplasia6.
O apinhamento dentário é comum e pode requerer que sejam removidos alguns dentes para alinhamento dentário6.
A compressão da medula espinal ao nível do foramen magnum (Fig. 8) pode ocorrer durante a primeira infância, causando apneia de sono central, atrasos no desenvolvimento e sintomas neurológicos (espasmos musculares e contrações musculares involuntárias). Normalmente resolve-se com o crescimento, visto que o tamanho do foramen magnum tende a aumentar em relação ao tamanho da medula espinal. Mesmo assim, a descompressão cirúrgica pode ser necessária na primeira infância6.
Fig. 8. Foramen Magnum: onde a medula espinal se liga ao cérebro. Fonte: Wikipedia
Por outro lado, a estenose espinal lombar e as alterações que a acompanham (como a claudicação neurológica) são mais frequentes na vida adulta, especialmente nos indivíduos que apresentem uma cifose persistente. Isto deve-se a uma redução relativa do tamanho do canal da espinha quando comparado com o tamanho da medula espinal e agrava-se com a obesidade, outro problema comum, que provoca complicações cardiovasculares1.
Risco da ocorrência de hidrocefalia com o aumento da pressão venosa intracraniana6.
Irregularidades generalizadas ao nível das metáfises
Estreitamento da distância interpedicular das vértebras lombares inferiores
Pélvis anormal com asas ilíacas quadradas e um canal sacrociático estreito (as mulheres com acondroplasia têm de dar à luz, tipicamente, por cesariana, devido ao tamanho reduzido da sua pélvis).
O diagnóstico da acondroplasia baseia-se na presença de características clínicas e radiológicas. O diagnóstico pré-natal pode ocorrer durante a ecografia de rotina do 3º trimestre e pode ser confirmado por amniocentese, procurando pela mutação mais comum do FGFR34. Sem os testes genéticos, pode haver um diagnóstico errado, que pode resultar no aconselhamento errado dos pais7. O diagnóstico genético pré-implantação é possível e amplamente acessível.
A gestão é multidisciplinar e os cuidados de antecipação são essenciais:
O tratamento da acondroplasia representa um grande desafio para os centos clínicos envolvidos na sua investigação. Estamos a assistir ao avanço de vários ensaios clínicos em crianças com acondroplasia, graças a estudos pré-clínicos bem sucedidos que conduziram a novos conhecimentos sobre esta condição, possibilitando novas estratégias e abordagens terapêuticas em seres humanos.
Estes tratamentos emergentes encontram-se em ensaios clínicos para avaliar a sua segurança, eficácia, e farmacocinética11:
Vosoritide - análogo do CNP da Biomarin
Transcon CNP - da Ascendis Pharma
Infigratinib - inibidor da tirosina quinase da QED
Recifercept - forma solúvel da FGFR3 da Pfizer
RBM 007 - aptâmero da Ribomic
Meclozina - Universidade de Nagoya
ASP5878 - inibidor FGFR da Astellas Pharma
Resultados recentes dos ensaios clínicos de Fase 2 e Fase 3 com CNP em crianças deram sinais positivos. No entanto, outras opções terapêuticas estão a emergir e estão abertas as portas para a possibiliade de, no futuro, se optar por terapias de precisão, combinadas ou sequenciais e ajustadas à idade de cada indivíduo.
1. Bober, M. and A. Duker. Achondroplasia. 2013 ;
2. Wynn J, et al. Mortality in achondroplasia study: a 42-year follow-up. Am J Med Genet A. 2007;143A: 2502–11.
3. Horton, W.A., J.G. Hall, and J.T. Hecht, Achondroplasia. The Lancet, 2007. 370(9582): p. 162-172. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(07)61090-3/fulltext(07)61090-3/fulltext.
4. Rousseau, F., et al., Mutations in the gene encoding fibroblast growth factor receptor-3 in achondroplasia. Nature, 1994. 371(6494): p. 252-4. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8078586.
5. American Academy of Sleep Medicine, International classification of sleep disorders, revised: Diagnostic and coding manual. 2001: American Academy of Sleep Medicine. Available from: http://www.esst.org/adds/ICSD.pdf.
6. Hunter, A.G., et al., Medical complications of achondroplasia: a multicentre patient review. Journal of Medical Genetics, 1998. 35(9): p. 705-712. Available from: http://jmg.bmj.com/content/jmedgenet/35/9/705.full.pdf.
7. Trotter, T.L. and J.G. Hall, Health Supervision for Children With Achondroplasia. Pediatrics, 2005. 116(3): p. 771-783. Available from: http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/116/3/771.full.pdf
8. Legeai-Mallet, L., & Savarirayan, R. (2020). Novel therapeutic approaches for the treatment of achondroplasia. Bone, 141, 115579.