Displasia Cleidocraniana

A ANDO agradece a colaboração do Gabriel Lourenço de 7 anos (na foto) e da sua família na disponiblização da imagem para esta página.

O termo cleidocraniana deriva do grego cleido (clavícula) e kranion (cabeça). É uma condição genética rara, também conhecida como síndrome de Scheuthauer-Marie-Sainton ou disostose cleidocraniana, que se caaracteriza por um desenvolvimento anómalo do esqueleto e dos dentes.

A sua prevalência é estimada em 1 nascimento por milhão1. Na maioria dos casos a transmissão é autossómica dominante, o que significa que um dos progenitores transmite a condição para a criança com uma probabilidade de 50%. Em 20-40% dos casos registados ocorre de forma espontânea.É, no entanto, uma condição provavelmente subdiagnosticada pois muitas das pessoas afetadas têm sinais e sintomas ligeiros.

 

Causa

É geralmente causada por mutações no gene RUNX2. Este gene fornece instruções para a produção de uma proteína que atua como um "interruptor" que regula uma série de outros genes envolvidos no desenvolvimento e manutenção dos ossos, dentes e cartilagens. As mutações neste gene reduzem ou eliminam a atividade da proteína produzida, interferindo com o desenvolvimento normal dos ossos, dentes e cartilagens2.

Em cerca de 30% dos indivíduos com displasia cleidocraniana, não foi encontrada qualquer mutação no gene RUNX2. A causa da condição nestes indivíduos é ainda desconhecida2.

 

Características Clínicas — Esqueléticas3,4

  • Clavículas subdesenvolvidas ou ausentes. As pessoas com displasia cleidocraniana apresentam geralmente clavículas subdesenvolvidas ou ausentes. Como resultado, os seus ombros são estreitos e inclinados e podem estar invulgarmente aproximados em frente do corpo.
  • A maturação tardia do crânio crânio provoca um atraso no fecho das linhas de crescimento onde os ossos do crânio se encontram (suturas).
  • Presença de espaços maiores que o normal (fontanelas) entre os ossos do crânio que são percetíveis como "pontos moles" na cabeça do bebé. As fontanelas fecham-se na primeira infância, mas podem permanecer abertas durante toda a vida em pessoas com esta condição;
  • Algumas pessoas apresentam pedaços extra de osso chamados ossos Wormian dentro das suturas;

Fig. 1 - Tomografia computorizada de rapaz de 7 anos com displasia cleidocraniana. Mostra ossificação retardada dos ossos do crânio, sutura aberta, hipoplasia dos ossos nasais e múltiplos ossos Wormian. Fonte: Kreiborg, S. Tooth formation and eruption – lessons learnt from cleidocranial dysplasia.


 

  • Baixa estaturaAs pessoas afetadas são frequentemente mais baixas do que a média da população geral;

  • Dedos curtos e afilados e polegares largos;

  • Pés chatos;

  • Genu valgum. Joelhos que dobram para dentro;

  • Omoplatas curtas;

  • Escoliose. Curvatura anormal da coluna vertebral;

  • As mulheres têm um risco acrescido de necessitarem de uma cesariana no parto, devido a uma pélvis estreita que impede a passagem da cabeça do bebé.

Características faciais:

  • Braquicefalia. Crânio largo e curto;

  • Testa proeminente;

  • Hipertelorismo. Olhos largos e afastados;

  • Hipoplasia dos ossos nasais;

  • Maxilar superior pequeno.

Densidade dos ossos:

  • Osteopenia. Densidade óssea reduzida;

  • Podem desenvolver osteoporose, uma condição que torna os ossos progressivamente mais frágeis e propensos à fractura, numa idade relativamente precoce.

 

Características Clínicas — Anomalias dentárias3,4

  • São muito comuns e podem incluir perda retardada dos dentes decíduos (bebé);

  • Atraso na erupção dos dentes permanentes (adultos);

  • Dentes com forma invulgar, semelhantes a pinos;

  • Desalinhamento dos dentes e maxilares (má oclusão);

  • Formação de vários dentes permanentes supranumerários (extra), por vezes acompanhados de quistos nas gengivas;

  • Raízes ou coroas dentárias anómalas;

  • Palato muito arqueado ou fenda palatina.

 

Outras características

Para além das anomalias esqueléticas e dentárias, as pessoas com displasia cleidocraniana podem ter perda de audição e são propensas a infecções sinusais e dos ouvidos4. Alguns bebés podem apresentar ligeiro atraso no desenvolvimento de capacidades motoras, tais como rastejar e andar, mas a inteligência não é afectada3.

 

Diagnóstico

O diagnóstico pode ser feito numa fase intrauterina através de um ultrassom. Esta condição é diagnosticada quando as principais características da doença são encontradas durante um exame clínico e nas radiografias ao crânio e ao tórax. A realização de uma análise genética molecular também é necessária, sendo que esta é imprescindível para a realização do diagnóstico precoce5.

 

Tratamento6,7

Os tratamentos dependem de como a condição afeta cada pessoa. Existem múltiplos procedimentos ortopédicos, reconstrutivos faciais e dentários para melhorar o conforto, função e bem-estar. Os tratamentos recomendados podem incluir:

  • Nas crianças, cirurgia reconstrutiva facial nos ossos do rosto para remodelar a testa ou as maçãs do rosto

  • Procedimentos de fusão vertebral para apoiar a coluna vertebral

  • Cirurgia na parte inferior das pernas para corrigir os joelhos

  • Reparação cirúrgica de fracturas devidas a ossos frágeis

  • Remoção de pequenos pedaços de clavícula que podem afectar o plexo braquial e causar dores no braço ou problemas nervosos

  • Tubos para tratar infecções dos ouvidos

  • Suplementos de cálcio e vitamina D para fortalecer os ossos

 

Tratamento de Problemas Dentários6,7

Quase todos os indivíduos com esta condição apresentam anomalia dentária e estes problemas podem afetar a oclusão, ou seja, o modo como os dentes superiores e inferiores se encaixam quando a boca está fechada.

A ortodontia e a cirurgia oral podem ajudar. O primeiro passo é uma avaliação cuidadosa de cada dente, seguida da extracção de qualquer dente extra. Para manter dentes viáveis, pode-se remover tecido gengival e orientar o crescimento dos dentes com recurso a aparelho ortodôntico. Para um resultado mais rápido, algumas pessoas preferem implantes, pontes ou próteses dentárias. Por vezes, é necessária uma cirurgia ao maxilar para corrigir a oclusão.


Fig. 2 - Fotografias intra-orais de um rapaz com erupção espontânea dos incisivos definitivos após extracção dos incisivos primários, remoção cirúrgica dos incisivos supranumerários e cobertura óssea dos primeiros incisivos permanentes, formados aos 9,5 anos de idade. A fotografia A foi obtida aos 10 anos de idade e a fotografia B aos 11 anos. Fonte: Kreiborg, S. Tooth formation and eruption – lessons learnt from cleidocranial dysplasia.

 

Os tratamentos exigem coordenação entre cirurgiões bucomaxilofaciais, ortodontistas e protesistas, bem como o dentista da família. Quanto mais cedo a doença for diagnosticada e tratada adequadamente, maiores serão as probabilidades de um resultado favorável.

Embora a displasia cleidocraniana possa trazer vários desafios e exigir múltiplas cirurgias, as pessoas afetadas podem viver vidas longas e a alcançar os seus sonhos.


Gaten Matarazzo, o famoso ator da série Stranger Things tem displasia cleidocraniana e realizou aos 17 anos a sua 4ª cirurgia para extração de dentes supranumerários (removeu 14 dentes) e para ajudar a expor 6 dentes que já deveriam ter crescido. Créditos: Netflix e Instagram do ator.

 

Referências

1. C.M. McNamara, et al. Cleidocranial dysplasia: radiological appearances on dental panoramic radiography Dentomaxillofac Radiol, 28 (1999), pp. 89-97.

2. Bruderer M, et al. Role and regulation of RUNX2 in osteogenesis. Eur Cell Mater. 2014 Oct 23;28:269-86. doi: 10.22203/ecm.v028a19. PMID: 25340806.

3. Chin-Yun Pan, et al. Craniofacial features of cleidocranial dysplasia,Journal of Dental Sciences,Volume 12, Issue 4,2017,Pages 313-318,ISSN 1991-7902,https://doi.org/10.1016/j.jds.2017.07.002.

4. Farrow E, et al. Cleidocranial Dysplasia: A Review of Clinical, Radiological, Genetic Implications and a Guidelines Proposal. J Craniofac Surg. 2018 Mar;29(2):382-389. doi: 10.1097/SCS.0000000000004200. PMID: 29189406.

5. López, B. et al. Cleidocranial Dysplasia: report of a family, Journal of Oral Science, Volume 46, Número 4, (2004) pp. 259-266

6. Kreiborg, S, Jensen, BL. Tooth formation and eruption – lessons learnt from cleidocranial dysplasia. Eur J Oral Sci 2018; 126(Suppl. 1): 72– 80. © 2018 Eur J Oral Sci

7. Jensen, B.L. and Kreiborg, S. (1990), Development of the dentition in cleidocranial dysplasia. Journal of Oral Pathology & Medicine, 19: 89-93. https://doi.org/10.1111/j.1600-0714.1990.tb00803.


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